- Quantas parcelas geram busca e apreensão?
Criou-se um mito de que os bancos só podem fazer busca e apreensão de veículo após o não pagamento de três parcelas. Na realidade, a Lei (Decreto-Lei n.º 911/1969) não prevê um número mínimo de parcelas para que a instituição financeira ingresse com a busca e apreensão, o que permite que ela ocorra já após o não pagamento de uma parcela.
É claro que as formalidades que devem ser observadas previamente à ação de busca e apreensão podem demandar certo tempo (notificação [constituição em mora], trâmites internos, judicialização), que podem (ou não) durar torno de três meses, mas isso não é uma regra.
Nos termos do artigo 2º, §§2º e §3º do Decreto-Lei n.º 911/1969, o simples vencimento da parcela (boleto) e a expedição da uma carta registrada para o endereço do contrato é suficiente para amparar a ação de busca e apreensão. Além disso, todas as parcelas futuras vencerão antecipadamente e poderão ser cobrados pela instituição financeira.
Por isso, acaba sendo habitual o devedor esconder o veículo.
- Mas esconder o carro resolve o problema?
É comum alguns profissionais indicarem ao devedor do financiamento esconder o veículo para frustrar a busca e apreensão o bem. Essa medida pode, em um primeiro momento ser vantajosa, mas legalmente não afeta a cobrança da dívida e aumentará significativamente o valor do débito.
Conforme prevê o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 911/1969 “se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”.
Como consequência, o valor do débito será aumentado em 10% (dez por cento) a título de honorários (art. 827, do CPC) e o devedor irá responder como todos seus bens, ainda que não alienados, para saldar a dívida.
Com isso, a prática esconder o veículo, na maioria dos casos, não resolve o problema e piora a situação do devedor e de eventuais avalistas.
- Mas o avalista que não usa o veículo também responde?
Além do devedor principal, que é aquele que firmou o contrato de financiamento para aquisição do veículo, os eventuais avalistas são total e integralmente responsáveis por pagar o débito, caso não haja pagamento ou o veículo não tenha sido encontrado.
Mesmo que o avalista não usufrua do bem, ele poderá ser cobrado judicialmente por toda a dívida, independentemente se o devedor tenha bens ou tenha sido encontrado.
Inclusive, o avalista pode ser réu na ação de busca e apreensão, não pela obrigação de entregar o veículo, mas para ser responsabilizado pelo débito caso o bem não seja encontrado ou mesmo para pagar a diferença do débito, caso o veículo seja vendido e não seja suficiente para quitar o contrato (AgRg no AgRg no REsp n.º 1178849 / PR, Ministro RAUL ARAÚJO, DJe 22/02/2017).
- É possível penhorar um carro financiado?
Embora o veículo financiado esteja registrado no órgão de trânsito em nome do devedor, a propriedade do bem pertence à instituição financeira até a quitação do contrato e a liberação do gravame (anotação de restrição no CRLV). Por isso, o devedor pode usar, viajar, emprestar, enfim praticar todos atos da posse direta sobre o veículo, mas nunca vender ou doar, já que ele não é o proprietário (dono).
Por consequência, o único que pode penhorar o veículo alienado é a instituição financeira credora que financiou, caso ele opte pelo processo de execução ao invés da busca e apreensão, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.766.182 – SC, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 12/06/2020).
Agora, se você for credor do devedor não é possível realizar a penhora do veículo dele, caso seja financiado. Entretanto, é possível penhorar os direitos que o devedor tem sobre o bem, quais sejam, as parcelas que ele pagou do financiamento (AgInt no REsp n.º 1.819.186 – SP, Relator Ministro Raul Araújo, DJe 13/02/2020).
Como efeito prático, se o devedor pagou razoável quantia de parcelas será possível alienar o veículo, pagar a instituição financeira primeiro e o que sobrar será destinado ao credor.
- Passei o carro para terceiro, ele pode ser apreendido?
Outra dúvida comum é se a instituição financeira pode apreender um veículo que foi “vendido” pelo devedor a terceiro. Em regra, pode sim.
Considerando que a alienação fiduciária em garantia está anotada no CRLV do veículo (em regra), ela é de conhecimento ou simples acesso público e deve ser conferida pelo adquirente. Por isso, caso adquira veículo com tal anotação, presume-se sua má-fé.
Segundo o STJ “a transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato de clandestinidade incapaz de induzir posse (art. 1.208 do Código Civil de 2002)” (REsp 881270 / RS, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 19/03/2010).
Dessa forma, caso o veículo esteja em posse de terceiro, onde quer que se encontre, poderá ser ordenada sua busca e apreensão, podendo o possuidor pleitear indenização contra quem lhe repassou o bem, mas não poderá se insurgir contra a instituição financeira.
Por
Philipi de Oliveira Bär – OAB/PR 90.648
Referências
BRASIL. Decreto-Lei Nº 911, de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sôbre alienação fiduciária e dá outras providências. Diário Oficial da União, 03 out. 69. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/del0911.htm. Acesso em: 06 fev. 24.
BRASIL. Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, 17 mar. 15. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 06 fev. 24.
STJ. REsp 881270 – SC. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, 02 mar. 10. DJe 19/03/2010 RT vol. 898 p. 169. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em: 06 fev. 24.
STJ. AgRg no AgRg no REsp 1178849 – PR. Relator Ministro Raul Araújo. Brasília, 14 fev. 17. DJe 22/02/2017. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em: 06 fev. 24.
STJ. AgInt no REsp 1819186 – SP. Relator Ministro Raul Araújo. Brasília, 04 fev. 20. DJe 13/02/2020. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em: 06 fev. 24. STJ. REsp 1766182 – SC. Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, 09 jun. 20. DJe 12/06/2020 RSTJ vol. 258 p. 361. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em: 06 fev. 24.